Com o advento da pandemia da covid-19 houveram reflexos na economia mundial uma vez que na tentativa de frear a rápida disseminação do vírus o setor econômico foi obrigado a paralisar suas atividades, através da redução do contato interpessoal com o intuito de controlar o número de novos infectados.
No Brasil não foi diferente, tanto é que o Governo Federal editou diversas Medidas Provisórias visando enfrentar a situação de emergência, sendo que a Medida Provisória nº 936 foi convertida na Lei n º 14.020/2020, responsável por instituir o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego. O art. 3º da referida Lei dispõe que:
Art. 3º São medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda:
I – o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda;
II – a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário; e
III – a suspensão temporária do contrato de trabalho.
Entretanto, nossa Constituição Federal prevê no art. 7º, inciso VI que é direito do trabalhador a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em Convenção ou Acordo Coletivo. Ou seja, a priori, é proibida a redução salarial, pois nossa Magna Carta visou garantir o equilíbrio da relação havida entre empregador e empregado, impedindo que sejam violados os direitos dos obreiros.
De fato, o direito do trabalho tem como característica primeira a proteção dos trabalhadores, frisando-se que o salário possui natureza de verba alimentar, razão porque há previsão expressa da impossibilidade de o empregador arbitrariamente reduzir o salário do empregado. Contudo, no atual momento vivido, em decorrência da chegada da pandemia, e consequentemente de seus efeitos trágicos, em especial as medidas adotadas para contenção da disseminação do vírus, para proteção da economia nacional foi convertida a MP e em Lei permitindo a redução proporcional da jornada de trabalho e de salário.
Com este dispositivo nasceu a discussão acerca da constitucionalidade do art. 3º, II da Lei 14.020/20, posto que nitidamente contraria o principio constitucional da irredutibilidade salarial.
Contudo, necessário esclarecer que a análise de referido dispositivo legal deve ser feita em conjunto com o atual momento vivido mundialmente decorrente da importância internacional em tentar conter o coronavírus, de modo que, a flexibilização autorizada pela lei em questão visa manter a proteção à vida, à dignidade da pessoa humana e ao mesmo tempo enfrentar o estado de calamidade pública que foi reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6 de 20 de março de 2020.
Tanto é que com a reforma trabalhista, instituída pela Lei 13.467/17, o artigo 58-A passou a admitir a redução salarial em percentual superior a 25% conforme disposto no §2º, sob a condição de a redução da jornada não ultrapassar 26 ou 30 horas semanais e desde que seja por meio de norma coletiva.
Necessário ponderar que para os fins de serem preservados o equilíbrio e a segurança jurídica entre empregado e empregador, o art. 611, §3º da CLT prevê que em sendo realizada a redução de jornada ou do salário deve constar também na norma coletiva que os empregados nestes casos estão protegidos contra a dispensa imotivada durante a vigência do instrumento coletivo.
Portanto, convém ponderar que não pode só um dos setores ser privilegiado, razão porque esta flexibilização da irredutibilidade salarial age com o objetivo de garantir a preservação do emprego e a manutenção da renda, bem como garantir a continuidade das atividades empresariais, reduzindo o impacto social decorrente dos prejuízos oriundos dos isolamento social e da paralização das empresas.
Não pairam dúvidas que todos os setores estão sendo prejudicados pela pandemia da covid-19, razão porque o Estado como meio de enfrentar a doença e a crise econômica instaurada pelas medidas de enfrentamento e combate à disseminação do coronavírus, optou em flexibilizar a norma constitucional de irredutibilidade salarial.
Contudo, imprescindível que a adoção dessas medidas se restrinjam ao momento de excepcionalidade vivido em âmbito mundial, para que todos os princípios e garantias trabalhistas conquistados ao longo dos anos se percam, retroagindo a legislação e os entendimentos jurisprudenciais.
Assim, ressaltamos que atualmente como medida excepcional decorrente da necessidade de isolamento social para enfrentamento da pandemia e como meio de proteger a “saúde” econômica do país é possível que haja redução salarial, desde que respeitados os requisitos legais, garantindo a vida, a saúde e a dignidade, bem como reduzindo os impactos econômicos enquanto o mundo combate o cenário instaurado pela chegada da covid-19.
Por Marco Aurélio Milantonio Junior